domingo, 27 de setembro de 2009

Começando pelo Infinito








Iniciar pelo infinito possui explicação: as coisas finitas são findas quando estas ainda estão. Minha preferência pessoal pelo tema não determina a escolha, sobretudo, a abordagem cantoriana. A crise epistemológica do século XX tem como pano de fundo o pensamento lógico, este, por sua vez, desestrutura-se diante da ousadia de Cantor. Destaco um trecho da minha monografia de matemática: Da certeza à incerteza, o mistério da razão e a razão do mistério – uma abordagem matemática. Inicio por Cantor devido ao próprio canto, mas por em seu canto infinitamente particular cantar uma nova canção, que belo cantor este Cantor! A partir de suas reflexões, a linguagem científica aos poucos questiona sua univocidade, completude e consistência, pausadamente a explicação cede espaço ao compreender, o cosmo é deixado de lado em favor da existência humana.








Ao observarmos intuitivamente idéias que não correspondem ao ambiente finito, portanto caracterizado como sendo infinito, invariavelmente nos deparamos com o inesperado. O que de fato encontramos são estruturas que na maioria dos casos não correspondem a algum paralelo observável pela experiência. Os resultados obtidos no ambiente infinito costumam ser díspares em relação à intuição finita e a idéias da sensibilidade, tendo, portanto, de serem avaliadas criteriosamente sobre novos aspectos. O maior exemplo que podemos encontrar neste sentido certamente é a obra de Georg Cantor. Ao acompanharmos o desenvolvimento do seu pensamento matemático a cada nova proposição nos deparamos com o inusitado, ou seja, aquilo que nossa sensibilidade ou intuição não esperava. O que reincide em uma proposição kantiana na crítica da razão pura como segue abaixo:






“Há uma coisa ainda mais importante que o que precede: certos conhecimentos por
meio de conceitos, cujos objetos correspondentes não podem ser fornecidos pela
experiência, emancipam-se dela e parece que estendem o círculo de nossos juízos
além dos seus limites. Precisamente nesses conhecimentos, que transcendem ao
mundo sensível, aos quais a experiência não pode servir de guia nem de retificação,
consistem as investigações de nossa razão, investigações que por sua importância nos
parecem superiores, e por seu fim muito mais sublimes a tudo quanto a experiência
pode apreender no mundo dos fenômenos; investigações tão importantes que,
abandoná-las por incapacidade, revela pouco apreço ou indiferença, razão pela qual
tudo intentamos para as fazer, ainda que incidindo em erro.”







A teoria dos conjuntos mostrou-se de grande importância para a matemática, principalmente para a sua estruturação. Através da teoria dos conjuntos o rigor matemático alcançou seu apogeu nos séculos XIX e XX, foi também em decorrência desta teoria que muitos pensadores se debruçaram sobre a estruturação do pensamento lógico-matemático, buscando sua consistência, chegando a Gödel que pode formular seus teoremas sobre os sistemas lógicos.




Cantor começou o estudo das funções com base nos métodos de Weierstrass, entendendo o conceito de convergência. Articulou-se nos métodos do infinito potencial, estudados desde os gregos não tendo, contudo, grandes avanços. A universidade de Halle não propiciava um ambiente fecundo para os pensamentos de Cantor o qual encontrava alento nos poucos amigos que colecionava no âmbito acadêmico. Um destes amigos era Gösta Mittag–Leffler, que também foi aluno de Weierstrass, sendo responsável pela sobrevivência do trabalho do professor Weierstrass, pois apesar do mestre não gostar, tomava nota de todas as suas aulas. Mittag-Leffler apoiou Cantor, mesmo nos piores momentos, não só dava atenção às idéias de Cantor, como ainda as publicava em seu periódico, o Acta Mathematica. Vale a pena ressaltar o apoio de
Weiertrass e de seu grande amigo Dedekind, este último que em muitos trabalhos ajudou em diversas observações. Weiertrass, Dedekind e Cantor são mencionados por Bertrand Russel como aqueles que conseguiram definitivamente e finalmente superar a proposta de Zenão:








Zeno was concerned with three problems. These are the problem of infinitesimal, the
infinite, and continuity. … From his day to our own, the finest intellects, of each
generation in turn attacked these problems, but achieved, broadly speaking, nothing.
Weierstrass, Dedekind, and Cantor have completely solved them. Their solutions …
are so clear as to leave no longer the slightest doubt of difficulty. This achievement is
probably the greatest of which the age can boast. … The problem of infinitesimal was
solved by Weierstrass, the solution of other two was begun by Dedekind and
definitely accomplished by Cantor.




Zenão estava acometido de três problemas. Estes eram o problema do infinitesimal, o
infinito e continuidade. De seus dias até o nosso próprio período, os mais refinados
intelectos, de cada geração a seu tempo atacaram esses problemas, mas obtiveram,
amplamente falando, nada. Weierstras, Dedekind e Cantor têm resolvido estes
problemas completamente. As soluções deles são tão claras a não deixar mais a menor
dúvida da dificuldade. Este resultado é provavelmente o maior que nossa era pode
suportar. O problema do infinitesimal foi resolvido por Weierstrass, a solução dos
outros dois foi iniciada por Dedkind e definitivamente alcançada por Cantor.






A maior contribuição de Dedekind foi seu estudo sobre os irracionais, que por tratarem de infinidades se refere automaticamente ao interesse sobre o infinito e seu entendimento. Para tanto, Dedekind, faz uso do conceito de corte.
Kronecker foi professor de Cantor na Universidade de Berlim, e até 1871 posicionouse favoravelmente ao trabalho de Cantor. Apoiou Cantor durante os anos na universidade, oferecendo, inclusive, ajuda para que este se estabelecesse na Universidade de Halle. Kronecker chegou até a fazer sugestões sobre os primeiros ensaios de Cantor sobre séries trigonométricas. Contudo, quando Cantor passou a pensar a respeito do infinito e dos números irracionais ocorreu um afastamento. Para Kronecker, que não admitia a existência dessas entidades, tal estudo era inadmissível. Devido à sua grande influência, sendo um matemático reconhecido por seus contemporâneos, Kronecker desempenhava uma forte e ativa oposição a Cantor, chegando inclusive a chamá-lo de corruptor da juventude. A aversão aos trabalhos de Cantor se mostrou tamanha pela parte de Kronecker que este passou a proibir a publicação de diversos resultados a respeito do infinito. Tal perseguição não se restringia aos estudos de Cantor, mas a diversos resultados da análise matemática, inclusive o teorema de Bolzano-Weierstrass que utilizamos no
primeiro capítulo, tentando convencer matemáticos que não publicassem ou utilizassem este resultado. Talvez, por esta e outras razões de ordem teológica Cantor tenha dito sobre a oposição da idéia do infinito:



The fear of Infinity is a form of myopia that destroys the possibility of seeing the
actual infinite, even though it in its highest form has created and sustains us, and in its
secondary transfinite forms occurs all around us and even inhabits our minds.




O medo do infinito é uma forma de miopia que destrói a possibilidade de ver o
infinito realmente, mesmo quando ele em sua mais alta forma tenha nos criado e
sustentado e em sua forma transfinita secundária ocorre em toda nossa volta e ainda habita a nossa mente.



As crises de Cantor por muitos estudiosos são atribuídas pela tensão existente entre ele e seu antigo professor, outros por sua vez, procuram buscar outros motivos mais íntimos e particulares. Contudo, o que de fato podemos atestar são as diversas internações e tratamentos constantes ao longo de sua vida, sendo muitas destas crises atribuídas às suas descobertas. Não apenas Kronecker se opunha aos trabalhos de Cantor, outros grandes matemáticos do mesmo modo não se sentiam confortáveis com estes novos conceitos. Desde a antiguidade tais conceitos haviam perturbado a mente de inúmeros pensadores e todos pareciam seguir o pensamento aristotélico de que o infinito não deveria ser visto como uma entidade matemática e sim como uma potencialidade. Carl Friedrich Gauss (1777-1855), em um passado recente em relação ao período vivido por Cantor, segue o mesmo raciocínio antigo, observe:







Eu protesto contra o uso de uma quantidade infinita como uma entidade matemática
verdadeira; isto nunca é permitido em matemática. O infinito é apenas uma maneira
de se falar, na qual se fala adequadamente de limites dos quais certas razões podem
chegar tão perto quanto desejado, enquanto a outras é permitido crescer sem limites.




Também enfrentava oposição direta após a publicação de seus trabalhos, como a de Henri Poincaré (1854 -1912):




Não há infinito atual. Os cantorianos esqueceram disso e caíram em contradição. É
verdade que o cantorismo nos prestou serviços, mas isto era quando o aplicávamos a
um verdadeiro problema, cujos termos eram claramente definidos. Então podíamos
caminhar sem medo.





O próprio Cantor admitia ver os resultados e não acreditar neles. Posteriormente Hilbert salientando a importância dos estudos de Cantor, disse: “ninguém nos expulsará do paraíso que Cantor criou para nós”. As crises constantes possuíam causas mistas, perspectivas unicamente pessoais, os estudos, a perseguição do meio científico. Em muitos momentos chegou a afirmar um desinteresse pelos estudos da matemática, demonstrando interesses além da academia e em outras áreas do saber.

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Evitando pleonasmos - mera apresentação

Indiossincrasias de mim, este poderia ser o pleonástico título de um livro de poemas com heterônomios criados por mim, mas não... Remete-se a este Blog unicamente. O plural não se faz majestático, mas em sua singularidade particular quer significar o ser plural que sou, ou de fato não sou? Os malefícios da particularização são evidentes, ainda que os positivistas racionalistas, ou ainda os racionalistas positivistas, reivindiquem o progresso como meta e finalidade única do saber, da sociedade e do homem de uma forma geral. Não sou metade de mim, não me identifico com minhas partes, mas somando parcelas identifico o ser necessário e contingente que sou, reconheço-me nem tão mal, tão pouco bom, sou completo remendo de singularidades que não se universalizam por si, mas harmonizam-se em mim. Muitos procuram determinar os limites da atividade científica, com não poderia ser diferente, epistemologicamente também o faço. Contudo, o que percebo freqüentemente é a crítica converter-se em abominação pura e simples à rigidez e aridez científica. Assim como eu, o vivenciar da sabedoria não pode ser em partes, mas visto em sua totalidade, inclusive diante do mistério, do infinito, do sagrado, daquilo que se deve calar.
O primeiro Wittgenstein, o qual curiosamente é o mesmo que o segundo Wittgenstein, afirma categoricamente em seu último aforisma do Tractatus logico-philosophicus: “Sobre aquilo que não se pode falar, deve-se calar”. Tenho a ligeira impressão de que justamente aquilo que consideramos inenarrável ou indizível possibilita aquilo que pode ser dito enunciável. Em outras palavras, justamente aquilo que não pode ser dito passa a ser pronunciado constantemente em nossos discursos. Nisto encontramos o desejo da vida, pois, se nosso discurso tangenciar somente aquilo que é passível de ser dito, melhor seria silenciarmos e deixar a razão nos conduzir em sua autonomia heteronômica própria. Assim como Aristóteles constatou, afirmo: o historiador fala aquilo que aconteceu, o poeta sobre aquilo que poderia ter sido. Resta-nos saber até que ponto poderá se diferenciar este daquele, não em suas atividades particulares, mas em suas linguagens e em seus objetivos próprios. A poesia é o fundamento da linguagem para Heidegger – o mito transcende ao mesmo tempo em que funda a realidade. O ser transcende a si mesmo enquanto ser. Reconhece-se, projeta-se no mundo e retorna a si. Do mesmo modo a poesia e o mito, não podendo estar contidos no poeta entusiasmado, transbordam em existência no mundo e depois retornam ao homem re-criando e re-inventando o cosmo. Por isso, poetizo, antecipando o meu primeiro verso, do indefinido futuro de meu primeiro livro de poemas:
Poesia
Tudo é poesia
A conversa é poesia,
As ondas são poesia,
O amor é o poeta

Se tudo cai na inexorável mágica de ser poesia,
Ela é ilimitada.
O poeta limitado ao tempo e ao espaço,
Passa ao papel o que vê,
E o que ele vê é poesia.
A poesia transcende ao poema.
Ela é melhor do que o poeta.
A vida, uma das inspirações da poesia,
Muitas vezes não é real,
O que leva a poesia a também ser metafísica,
E o que é real?
Do que é feita a nossa realidade?
De mentiras, ilusões e concursos de TV,
Sonhos, ideologias e vazio.

O silêncio é poesia.
O vazio é poesia.
Não ter poesia é poesia.
Tudo é poesia.

O autor (eu mesmo, por isso posso afirmar com certa propriedade, ainda que tenha plena consciência de que não me conheço, sou apenas conhecido) procura fundar de maneira quiástica a centralidade da poesia na criação da vida. Perpassa discussões ontológicas, ironiza a contemporaneidade e por fim admite, não por opção pessoal, mas por transcendência a centralidade da poesia. Esta se torna tangível, não nos versos que vão ao papel, mas como o pensamento de Platão no Fédon, na poesia escrita na alma. Impressa em nós, pragmaticamente se faz perceptível e inspira novos versos.
Este espaço foi criado para extravasar todas estas indiossincrasias particulares... Pensamentos livres, trabalhos acadêmicos, discussões simplórias, opiniões refletidas, todas estas esferas não somente podem como se farão presentes. Minha afeição por filosofia indicaria prontamente a temática, mas facilmente poderá ser vistos apontamentos historiográficas, reflexões teológicas, discussões de psicanálise ou de analítica profunda, estudos sociológicos, abordagens matemáticas, sim... as múltiplas análises e algebrismos de nossa existência e situação paradoxal também aqui estarão. Trata-se de indiossincrasias pessoais, com todo o pleonasmo que tal frase suscita. Desejo dividir estas com amigos, sejam bem-vindos.